Introdução à Teoria da Literatura – 1 e 2

Anotações:

Interessantes os textos. Foucault fala de “fundadores de modos de discurso” como Marx e Freud, que seriam sempre revisitados e reinterpretados pelos marxistas e psicanalistas e que representam um tipo de discursividade, em contraste com cientistas como galileu e newton, que são superados e englobados pela discursividade “impessoal” do método científico. A descoberta de um texto novo de Marx, por exemplo, influencia o marxismo atual (como aconteceu com o estudo dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844), ao passo que um texto novo de Galileu seria mera curiosidade histórica. Foucault fala disso no contexto do seu conceito de “função autor”: o autor é uma “cola” que mantém a coerência de uma obra, ou uma linha que traça os limites do que se considera uma obra. No caso dos modos de discurso, o autor “fundador” passa a ser usado como cola de uma obra que ultrapassa a si mesmo. Outros detalhes: Foucault localiza a origem da autoria na repressão: historicamente, passa-se a apontar autores quando se quer puni-los, ou seja, quando há a possibilidade de transgressão; enfatiza também que muitos tipos de discurso não utilizam a função autor.

Já Barthes argumenta que há diversas vozes ou perspectivas no texto: a do autor (como sujeito consciente da escrita), a da pessoa de carne e osso que possui ideias que dão forma ao texto, a dos personagens, a do momento histórico etc. comparando isso à tragédia grega em que palavras ambíguas são entendidas de maneiras distintas por personagens diferentes, mas em que o espectador consegue ver por todos esses ângulos (no caso do texto, seria o leitor). Para Barthes, portanto, o leitor é o foco da escrita após a “morte” do autor.

O professor chama a atenção para o período histórico em que Foucault e Barthes escreveram seus artigos (~ anos 60), insistindo na ideia de que são artigos contra a “autoridade” percebida na noção de autor, no sentido policial ou coercivo do termo. O autor seria um limitador da interpretação, um tolhedor dos significados – Barthes tem uma passagem em que zomba dos críticos, que adoram a ideia de autor pois lhes permite “desvendar” o “significado real” da obra e encerrar o caso. Foucault teria tentado recuperar a noção de autor – descartando a coerção – quando fala de Marx e Freud como fundadores de modos de discurso, flexíveis e permeáveis aos desenvolvimentos posteriores, cumprindo apenas uma “função autor” ampla sem imposição de verdades. Ao final da aula, uma contraposição ao pensamento de Foucault e Barthes é citada: a condição de autor, de sujeito, é algo que pode ser apropriado e reinvindicado por pessoas marginalizadas como ferramenta de afirmação e representatividade.

Vejo essa última crítica com curiosidade. Certamente as ferramentas do amo não podem destruir os sistemas do amo (leia-se: modernidade, colonialidade...), mas quais são essas ferramentas? Autoridade coerciva sim, mas também objetificação. A posição de Foucault e Barthes parece extremamente objetificadora, ao menos para o(a) autor(a). Barthes garante apenas ao(a) leitor(a) um papel de sujeito, Foucault também parece fazer isso implicitamente. No entanto, outra ferramenta do amo que pode complicar tudo isso é o individualismo hegemônico – do lado de Foucault e Barthes o indivíduo leitor-sujeito como foco de sentido (o que Foucault ameniza com os “modos de discurso”, se vistos como tradições coletivas), do lado da crítica um indivíduo autor-sujeito como foco (o que poderia ser amenizado se o autor-sujeito fosse não uma pessoa, mas uma coletividade, por exemplo). O lado do “autor-sujeito” foi apresentado de forma superficial na aula, seria interessante pensar a construção de autorias coletivas ou fluidas ou, de outra forma, anticapitalistas/decoloniais.