Uma crespa em desespero
Desde muito jovem, meus cabelos foram uma questão. Minha mãe tem cabelo liso – levemente ondulado, segundo ela –, e sempre reclamava de ter que arrumar o meu. “Você puxou o cabelo duro da família do seu pai” e por volta dos 11 anos passei pelo maldito processo que praticamente toda mulher de cabelo crespo já passou: o famoso alisamento. Não sei se alisamento é realmente um bom termo, porque o cabelo fica de um jeito que nem sei descrever, mas não é alisado com certeza. Eu chamava de relaxamento, o que faz muito mais sentido pra mim hoje.
Mamãe me acordava duas horas antes do horário previsto para nossa saída para lavar, pentear e fazer as simples e demoradas tranças baianas, para não parecer que meu cabelo cresce pro alto; para não mostrar que ele é crespo.
Na escola, andava com cabelo amarrado e mamãe dizia que era para prevenir a manifestação de piolhos. E um dia, aquelas pessoas que fotografavam crianças com adereços e acessórios fofos apareceram onde eu estudava, e mamãe pagou para eu ser fotografada. Fui de trança, com o cabelo grande e penteado (diria até que aparentava ser evangélica, mas não sei até que ponto isso pode ser pejorativo), mas uma das funcionárias não se contentou com minha trança e teve a ideia de soltar meu cabelo para pentear. Pentear meu cabelo, crespo, à seco. Isso aconteceu; e sim, ela era branca. Lembro muito bem dela percebendo que tinha feito besteira quando penteou a primeira mecha. Ela chegou a pedir ajuda a outro funcionário, porque não sabia como lidar com meu cabelo. Não julgarei, por muito tempo nem eu soube. Voltei pra sala com tristeza, com medo de ouvir alguma “gracinha” (leia: racismo) de algum colega. Quando cheguei em casa, a frase que mamãe exclamou foi “QUE CABELO É ESSE?!” e expliquei toda a situação desesperadora. Minha mãe deve ter ficado chateada, pois já tinha me arrumado, mas a fotógrafa achou que não.
A foto está em sua estante até hoje. Odiei a foto por muito tempo, por achar que meu cabelo estava extremamente horrível e com aspecto de “cabelo ruim”. Hoje, olho pra essa fotografia e vejo uma menina, sem dente, com cabelo natural e olhinhos brilhantes de criança. E queria dizer para a pequena Aline daquele dia que seu cabelo era lindo. E mais, que sua beleza transparecia de qualquer jeito.
(Aline Mota, 2019)
história de verão
ao mesmo tempo que você me acalma você me desperta pensamentos acelerados que nem um texto sem pontuação pode explicar direito o que sinto na verdade nem eu sei mas sei que gosto de estar com voce e a sua companhia me deixa feliz e tenho medo de ser exagerada e medo de invadir o teu espaço medo de perder sua amizade mas tenho medo também de não te beijar e não te fazer um carinho porque quando você está perto de mim minhas mãos coçam para serem passadas por tua pele bonita da cor da minha e pelo teu cabelo crespo como o meu e com você eu me sinto bem e com um frio na barriga desculpa quando digo que você me intimida eu acho que você é tão única que nem consigo lidar e por isso fico tensa pausa para respirar pensando nas coisas inteligentes que você fala e eu tendo disfarçar o brilho dos meus olhos quando tô aprendendo com você e parece que eu to aprendendo o tempo todo e todos os boa noites que eu queria te dar ao menos um abraço eu não dei porque meu corpo estremece e me vem a vontade de te dar um beijo............ pontuei e se fiz isso foi porque pensei demais e talvez por pensar demais que eu ainda não te tive da forma que quero
no metrô da vida
ela entrou no mesmo que eu
ficou por relapsos 9 minutos
que pareceram 9 meses
troca de olhares profundos
a ponto de causar alucinação
viajei em seus beijos
abraços
transas
e toques
numa realidade que não se sabe
onde realmente se posiciona
gastei meu tempo
vendo passarem as estações
e ficando mais perto de sua partida
ela saiu
talvez pra pegar um busão
quem sabe uma baldeação
ou só pra fugir de mim
mudando pra outro vagão
em meio ao caos
não quero escrever sobre dor
nem sobre amor
muito menos sobre cor
não quero nada
minhas palavras estão se cansando
de serem pensadas
para não serem ditas
de serem escritas
para não serem lidas
estou exausta
de falas esvaziadas
vindas de oportunistas
estou exausta
de almas vazias
SEM TÍTULO
do peso carregado pelo nome
quero só o peso
ser inominada
passar despercebida
ser lida por interessados
pelas formas dos versos
cor de fundo
fonte ou tamanho
gosto do suspense
que você desvende o conceito
ao passar teus olhos
pelas linhas do meu corpo
de texto
teu olhar me toca
de modo profundo
teu toque firme e macio
me energiza
tuas palavras me encantam
até quando não são para mim
mais do que o que dizes
teus feitos me atraem
tua pessoa me abala
sismicamente
não sei se bambeiea mais minhas pernas
ou meu coração
olhos que passeiam
atravessam meu corpo-cidade
e o transforma
por instantes
em um corpo-mundo
diminui a velocidade
para passar pelas sinuosas curvas
das silhuetas de cada bairro
olhos fálicos
que penetram-me sem qualquer pretensão
em uma cadência lenta
sendo o total oposto da tua respiração
sozinha, escrevo versos
junto dela, os sinto
e meus órgãos tremem
como na primeira vez que a vi
sinto meu corpo preso
em sentimentos
e livre em todo o resto
somos mentes inquietas
que querem se acalmar
mas o que seria vida
caso feita só de quietude?
nunca fomos mapas
com fronteiras demarcadas
e se o céu fosse nosso limite
acho que...
ele não existiria
B869.91
quero te alfabetizar
no idioma que vivo
pra você ler meu velho livro
vindo de uma biblioteca
passado por diversas mãos
com anotações a lápis
caneta ou marca texto neon
da lista de quem pegou
menos da metade leu
às referências ninguém chegou
o título o tempo apagou
sou achada por código
no prefácio mostro meu melhor lado
finjo ser interessante e envolvente
e te frustro no quinto capítulo
uso um vocabulário que não te ensinei
você não é capaz de me traduzir
não me rabisque mais
me feche e me devolva
continuarei a esperar algum poliglota
disposto a estudar
toda minha estrutura gramatical
amanhecer
A cidade se deita e estou acordada. Ela dorme, e continuo acordada. Ela ronca. E eu ainda acordada. Oito horas de sono, pra mim, é luxo. E nessas noites não-dormidas, comecei a me encontrar no mundo. A solidão durante a madrugada é grande e por isso dei início a um processo de autoconhecimento. Busco algo para fazer, muitas vezes opto por algo que acho chato na tentativa do sono aparecer. Mas na maioria do tempo, aproveito meu pique pra crescer o quanto posso: artistando, lendo, estudando e escrevendo. Vem também o cansaço antecipado, diante dos pensamentos sobre o dia que virá logo a seguir e não estarei com meu cérebro descansado. E depois de algumas horas, a cidade se levanta e vejo o mundo com sua vida acontecendo. Suas energias parecem estar recarregadas, enquanto me sinto um celular sem bateria. Cresço comigo, mas a cada momento que olho o relógio torço pelo meu primeiro bocejo. Ele normalmente vem quando os pássaros já estão cantando e o dia clareando. Aprendi, na marra, que a insônia não pode ser totalmente ruim. Tem dias que tenho vontade de acordar as pessoas que gosto para que elas possam admirar comigo a beleza do amanhecer. Tem dias que ouço gemidos. Tem dias que esses gemidos vêm de mim e eu fico feliz por lembrar que o orgasmo é um dos melhores remédios para me fazer dormir.