Line ليني

Estudante de letras escrevendo um pouco sobre tudo. Ah, e apaixonada por rosa. telegram: @alinesmota

Uma crespa em desespero

Desde muito jovem, meus cabelos foram uma questão. Minha mãe tem cabelo liso – levemente ondulado, segundo ela –, e sempre reclamava de ter que arrumar o meu. “Você puxou o cabelo duro da família do seu pai” e por volta dos 11 anos passei pelo maldito processo que praticamente toda mulher de cabelo crespo já passou: o famoso alisamento. Não sei se alisamento é realmente um bom termo, porque o cabelo fica de um jeito que nem sei descrever, mas não é alisado com certeza. Eu chamava de relaxamento, o que faz muito mais sentido pra mim hoje. Mamãe me acordava duas horas antes do horário previsto para nossa saída para lavar, pentear e fazer as simples e demoradas tranças baianas, para não parecer que meu cabelo cresce pro alto; para não mostrar que ele é crespo. Na escola, andava com cabelo amarrado e mamãe dizia que era para prevenir a manifestação de piolhos. E um dia, aquelas pessoas que fotografavam crianças com adereços e acessórios fofos apareceram onde eu estudava, e mamãe pagou para eu ser fotografada. Fui de trança, com o cabelo grande e penteado (diria até que aparentava ser evangélica, mas não sei até que ponto isso pode ser pejorativo), mas uma das funcionárias não se contentou com minha trança e teve a ideia de soltar meu cabelo para pentear. Pentear meu cabelo, crespo, à seco. Isso aconteceu; e sim, ela era branca. Lembro muito bem dela percebendo que tinha feito besteira quando penteou a primeira mecha. Ela chegou a pedir ajuda a outro funcionário, porque não sabia como lidar com meu cabelo. Não julgarei, por muito tempo nem eu soube. Voltei pra sala com tristeza, com medo de ouvir alguma “gracinha” (leia: racismo) de algum colega. Quando cheguei em casa, a frase que mamãe exclamou foi “QUE CABELO É ESSE?!” e expliquei toda a situação desesperadora. Minha mãe deve ter ficado chateada, pois já tinha me arrumado, mas a fotógrafa achou que não. A foto está em sua estante até hoje. Odiei a foto por muito tempo, por achar que meu cabelo estava extremamente horrível e com aspecto de “cabelo ruim”. Hoje, olho pra essa fotografia e vejo uma menina, sem dente, com cabelo natural e olhinhos brilhantes de criança. E queria dizer para a pequena Aline daquele dia que seu cabelo era lindo. E mais, que sua beleza transparecia de qualquer jeito.

(Aline Mota, 2019)

história de verão

ao mesmo tempo que você me acalma você me desperta pensamentos acelerados que nem um texto sem pontuação pode explicar direito o que sinto na verdade nem eu sei mas sei que gosto de estar com voce e a sua companhia me deixa feliz e tenho medo de ser exagerada e medo de invadir o teu espaço medo de perder sua amizade mas tenho medo também de não te beijar e não te fazer um carinho porque quando você está perto de mim minhas mãos coçam para serem passadas por tua pele bonita da cor da minha e pelo teu cabelo crespo como o meu e com você eu me sinto bem e com um frio na barriga desculpa quando digo que você me intimida eu acho que você é tão única que nem consigo lidar e por isso fico tensa pausa para respirar pensando nas coisas inteligentes que você fala e eu tendo disfarçar o brilho dos meus olhos quando tô aprendendo com você e parece que eu to aprendendo o tempo todo e todos os boa noites que eu queria te dar ao menos um abraço eu não dei porque meu corpo estremece e me vem a vontade de te dar um beijo............ pontuei e se fiz isso foi porque pensei demais e talvez por pensar demais que eu ainda não te tive da forma que quero

no metrô da vida ela entrou no mesmo que eu ficou por relapsos 9 minutos que pareceram 9 meses troca de olhares profundos a ponto de causar alucinação viajei em seus beijos abraços transas e toques numa realidade que não se sabe onde realmente se posiciona gastei meu tempo vendo passarem as estações e ficando mais perto de sua partida

ela saiu talvez pra pegar um busão quem sabe uma baldeação ou só pra fugir de mim mudando pra outro vagão

em meio ao caos não quero escrever sobre dor nem sobre amor muito menos sobre cor não quero nada minhas palavras estão se cansando de serem pensadas para não serem ditas de serem escritas para não serem lidas

estou exausta de falas esvaziadas vindas de oportunistas estou exausta de almas vazias

SEM TÍTULO

do peso carregado pelo nome quero só o peso ser inominada passar despercebida ser lida por interessados pelas formas dos versos cor de fundo fonte ou tamanho

gosto do suspense que você desvende o conceito ao passar teus olhos pelas linhas do meu corpo de texto

teu olhar me toca de modo profundo teu toque firme e macio me energiza tuas palavras me encantam até quando não são para mim mais do que o que dizes teus feitos me atraem tua pessoa me abala sismicamente não sei se bambeiea mais minhas pernas ou meu coração

olhos que passeiam atravessam meu corpo-cidade e o transforma por instantes em um corpo-mundo

diminui a velocidade para passar pelas sinuosas curvas das silhuetas de cada bairro

olhos fálicos que penetram-me sem qualquer pretensão em uma cadência lenta sendo o total oposto da tua respiração

sozinha, escrevo versos junto dela, os sinto e meus órgãos tremem como na primeira vez que a vi

sinto meu corpo preso em sentimentos e livre em todo o resto

somos mentes inquietas que querem se acalmar mas o que seria vida caso feita só de quietude?

nunca fomos mapas com fronteiras demarcadas e se o céu fosse nosso limite acho que...

ele não existiria

B869.91

quero te alfabetizar no idioma que vivo pra você ler meu velho livro vindo de uma biblioteca passado por diversas mãos com anotações a lápis caneta ou marca texto neon

da lista de quem pegou menos da metade leu às referências ninguém chegou o título o tempo apagou

sou achada por código no prefácio mostro meu melhor lado finjo ser interessante e envolvente e te frustro no quinto capítulo

uso um vocabulário que não te ensinei você não é capaz de me traduzir não me rabisque mais

me feche e me devolva continuarei a esperar algum poliglota disposto a estudar toda minha estrutura gramatical

amanhecer

A cidade se deita e estou acordada. Ela dorme, e continuo acordada. Ela ronca. E eu ainda acordada. Oito horas de sono, pra mim, é luxo. E nessas noites não-dormidas, comecei a me encontrar no mundo. A solidão durante a madrugada é grande e por isso dei início a um processo de autoconhecimento. Busco algo para fazer, muitas vezes opto por algo que acho chato na tentativa do sono aparecer. Mas na maioria do tempo, aproveito meu pique pra crescer o quanto posso: artistando, lendo, estudando e escrevendo. Vem também o cansaço antecipado, diante dos pensamentos sobre o dia que virá logo a seguir e não estarei com meu cérebro descansado. E depois de algumas horas, a cidade se levanta e vejo o mundo com sua vida acontecendo. Suas energias parecem estar recarregadas, enquanto me sinto um celular sem bateria. Cresço comigo, mas a cada momento que olho o relógio torço pelo meu primeiro bocejo. Ele normalmente vem quando os pássaros já estão cantando e o dia clareando. Aprendi, na marra, que a insônia não pode ser totalmente ruim. Tem dias que tenho vontade de acordar as pessoas que gosto para que elas possam admirar comigo a beleza do amanhecer. Tem dias que ouço gemidos. Tem dias que esses gemidos vêm de mim e eu fico feliz por lembrar que o orgasmo é um dos melhores remédios para me fazer dormir.