Indío, preto e Racionais

(ou “Sobre saber quem sou”)

Se pudesse parafrasear alguém, por que não o Febem? Longe de mim me comparar a ele, até porque longe de mim sou. Sempre estando cada vez mais distante de um começo, que nunca soube bem onde iniciou. Mas se for pelo título, foi pelo final.

Descobrir o que é ser, veio após eu decidir o que gostarai de ser. O albúm Sobrevivendo no Inferno, com quatro pretos no encarte. Me fez decidir sobre meu destino: Quero ser como eles.

E assim sendo, me fiz Racionais.

Engraçado. Naquela época eu mal sabia que já era como eles. Eu não fazia rap, não era famoso, não era de São Paulo, não vivia a violência, não era nascido na favela. E mesmo que anos depois, quando Mano Brown rimou “eu acho que todo preto como eu”, era de mim também, que ele falava. Demoraram duas dezenas de verões, para descobri que nada poderia me tornar menos preto do que eu era.

Viver aquela minoria no Japão era um misto de revolta, preconceito e exoticismo. Pois enquanto a cor e cabelo me dava entrada para as baladas, minha entrada nos recintos sempre despertavam olhares. Era um animal a ser observado no zoológico.

E todos os verões de aprendizado, serviram para mostrar que não era apenas cor. Era história também. Esta que nos foi roubadas. Fizeram de, nós deuses do Orum, apenas pessoas escravizadas. Ou pior: escravos. Resumidos a isso, nunca entendi a comemoração do Brasil 500 Anos, pois não era sobre meu povo que memoravam.

E assim sendo, me fiz preto.

Chegado o momento de voltar para a terra que diziam ser minha pátria, percebi que era somente o onde eu não precisava de permissão para existir. Era claro, ou talvez branco, o quanto eu não sou como eles. Minhas falas, pensamentos e trejeitos fizeram-me japonês.

Estranho, já que eles mesmos não me queriam lá. Estranho, já que meus avós não gostavam de japoneses. Estranho, já que antes eu era preto e agora eu sou... amarelo?

Ouvindo e aprendendo de novo sobre história, descobri que minha família nunca foi japonesa. Sempre foi Uchinanchu. Como povos nativos, foram colonizados e lutaram ao máximo. Mesmo sendo chamados de 負け組, meus avós nunca perderam. Os derrotados foram eles, que conservaram as ideias imperialistas e causou a diáspora dos meu antepassados.

Aprendi que Okinawa é terra protegida pelos Shisaa que já derrotaram dragões e maremotos. Faz partes das ilhas de Ryukyu, povo que mata um Tigre Asiático por dia. Pessoas que até hoje mantém seu idioma, mesmo tendo sido enviadas para vinte mil quilometros da sua terra.

E assim sendo, me fiz Índio.

Voltando ao começo, para chegar no final. Talvez no fundo, eu nunca tenha sido nada. Mas vou continuar sempre sendo.