Aviso de Conteúdo: Morte, Luto, Covid-19 —

Eu não tenho uma boa relação com a morte. No geral, eu finjo que a morte de pessoas, principalmente as mais distantes, não me atingem. Mas não é bem assim. Não sei se estou no nível ainda de falar profundamente sobre isso, entender realmente de que maneira o luto se movimenta pelo meu corpo.

Uma coisa que tenho pensado mais, nos últimos dias, é em como lidar com o luto na atualidade das redes sociais.

Este ano perdi um colega da época da faculdade pela covid-19. Ela não era uma pessoa exatamente próxima mas era uma pessoa pela qual eu tinha muito carinho e admiração. Uma pessoa que eu ficava vendo e torcendo de longe, comemorando seu sucesso, sua visibilidade e a vida que parecia melhorar a cada dia. Um profissional e uma pessoa incrível.

Apareceu na tv a notícia de sua morte. Mas, quando soube pelo grupo de mensagem, chorei como antes nunca tinha chorado, nem mesmo por familiares. Sei lá. Por mais que saibamos que acontece, a morte de uma pessoa jovem é sempre um baque. Ainda mais um corpo jovem preto. Um corpo jovem LGBTQIA+. Choramos pela pessoa e um pouco por nós mesmos, talvez.

O foda é que por ter sido muito presente nas redes sociais, eu encontro fragmentos digitais do que foi a pessoa em vida. Uma playlist no Spotify, uma imagem de seu trabalho no Pinterest, um quadro na parede da casa de alguém com quem estou fazendo reunião. Esses dias, procurando uma foto antiga para publicar, encontrei um print de tela que tirei de uma postagem feita por ele. Era uma recomendação, não lembro exatamente do quê. Acho que uma música que eu queria ouvir mais tarde. Mas além da recomendação, uma foto também desta pessoa. Sorrindo, quase sempre como fazia.

Nestes quase cinco meses desde a sua morte foram poucos dias em que não pensei nele. Guardo algumas poucas lembranças. O compartilhar da preguiça por alguns dogmas da nossa profissão, da vida acadêmica meio torta como é. Lembrei que tenho guardado um desenho que ele me fez, num dia de aula chata. Não lembro exatamente o que ele fazia lá, já que éramos de turmas diferentes. Fiquei me sentindo incrível naquele dia, quase naquela sensação de fã que foi notado pelo artista preferido. Ele ainda não era famoso naquela época. Mas eu já o admirava. Colei o desenho dele na parede da kitnet que eu morava, feliz da vida.

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Sonhei com ele na noite de véspera da minha primeira dose da vacina. Fui me vacinar mas não consegui ficar feliz. “faltava tão pouco” era a frase que não saía da minha cabeça.

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“Não posso correr de mim mesmo Eu sei, nunca mais é tempo demais Baby, o tempo é rei”

—Black Alien