receitas práticas agora

na dúvida, deixe dourar

enfermaria dom pedro churrascaria cabral espetaria colombo

perfumaria dias refinaria santos confeitaria paixão

tornearia costa tabacaria flores sorveteria pinto rocha

bicicletaria são paulo

drogaria família drogaria brasil

não sei se livraria jesus mas, com certeza, pastelaria vitória

entrei na casa de cora e não me lembro das rimas só dos tachos de cobre e do jardim onde é proibido colher as frutas

a serra dourada se dobra sobre a própria barriga e observa com desprezo

a serra dourada tem uma péssima postura e se recusa a fazer pilates

cercada de muros de pedra benzida na velha igrejinha por uma santa negra a serra dourada vigia o ouro sagrado da cidade de goiás

a serra não tem tempo pra poesia, festival de cinema disco voador

o que a serra quer mesmo é a sua caveira

o projeto se encontra nos autos da superintendência de legislação do gabinete civil da governadoria do estado para conhecimento de todos

fica decretado que o seu portão vai virar mato que os seus primos e que as suas primas até o vigésimo grau vão virar mato

e que o café colonial e a picape e o busto histórico e a ponte e toda a soja do mundo vão virar mato ou, no mínimo, um pé de lobeira

e que não vai sobrar um centavo caído na praça noturna onde as máscaras da procissão te abrigam sem medo

e você nem vai saber o que foi que te esmagou

vazio me deixo ficar com as peças internas trilhas de pedra uniformes pois é domingo à tarde e há uma piscina para ninguém

não sei se o trovão pasmou o menino ou se o chuvisco ninou a senhora se um cachorro salsicha latiu contra o tempo só anúncio, enfim papo de previsão

as aves a mil: loratadina tilenol pá de pé para quê não te vi não te vi

tudo bem a terra solta é boa pra achar minhoca

o sol na pele pra entender esta árvore: a avó de alguém era jardineira ou propriedade quando a muda vingou contrariando a todos e absorveu um bloco inteiro da calçada o sol na pele, entender que cabeça é picote revista esburacada sonda lunar, jacaré gagarin olhando a lagoa lotada de guarda-sóis e fatiadores de salame o sol na pele pra entender os gestos da história, os paraquedas e as bolhas de sabão da história entender que o café perde calor rapidamente por irradiação saber os tempos poupar os beiços

aqui da varanda o céu é preto vermelho azul e pontilhado toda noite o céu é completamente iluminado são os olhos que não capturam a radiação de fundo cósmica

e é só dançar que a vizinhança espirra

tome cuidado com as abelhas invasoras elas bebem o café depois o açúcar depois a umidade relativa e quando você se dá conta a colônia inteira está atrás de um sal de frutas

mas ó se o achado for caixa de chá cheiroso quem tem charme só me chame que eu chamusco viu?

quando ouvi o bem-te-vi que só canta -vi parei de cantar com o juízo

todos os gatos são pardos à noite menos os gatos brancos branquíssimos que são brancos não importa a hora do dia no estado do espírito santo

um periquito no telhado é sinal de sorte muita coisa por aqui é sinal de sorte somos sortidos

jaguarzinho, meu jaguar gato do mato, aonde foi? se o salto do galho mais bambo da araucária mais bamba te enche de música e pinhão, eu temo que o vento vire de lado que as mutucas te peguem no ar que a presa se vá e daí sejam só seu focinho e o chão tocando tambores jaguarzinho, meu jaguar gato do mato, aonde foi? aqui no capim da tarde à sombra dos nossos castelos me escondo das britadeiras toda escavação me dói mas te alarga a pupila, eu sei existe uma trilha que só se abre ao olfato jarguarzinho, meu jaguar gato do mato, aonde foi? toda noite te espero passar na frente da nesga de lua picão nas orelhas, carrapicho nos bigodes, mordida de formiga de manhã você tem oftalmo jaguarzinho, e eu, gastrologista

se mudo, por exemplo os livros para a sala tenho que trazer a poltrona para o quarto, um processo que bota duas caixas de papéis no lixo e abre espaço para uma mesa em doze prestações mas de manhã, meio sono sentarei nos livros e alguém à noite lerá a costura da poltrona marcaremos oculista beberei café em baldes e depois de uma semana num ataque de gastrite decidirei que era melhor mesmo os livros no quarto e a poltrona na sala mas os papéis terão voltado pra se vingar e a mesa nova vai ficar sobrando - uma quina selvagem à espreita dos joelhos exaustos

encruzilhada acontece todo dia três ou quatro caminhos para ir ou pra voltar e não saber a esquerda onde toda dúvida é um sinal da possibilidade um cesto de folhas de grama cabelos em trança goiabas em transe cheias de túneis evito goiaba por medo de arrancar o coró escavante dos seus trajetos vegetais aqui no mundo os cruzamentos traduzem sem esforço todas as línguas: nuvem geleira abraços fenômenos naturais interrompidos apenas por aquilo que não fala - quanto desejo domesticado pelo espírito da lâmina quanta palavra pulverizada pra fabricar concreto, e do concreto muros, e dos muros abismos, máquinas de fatiação: goiabas selecionadas e abelhas extraviadas esquecem suas línguas em silêncio

ânimo e animal têm a mesma origem mas há animais imóveis (como as esponjas) e há também as baleias que usam o verbo mover em conotação cetácea – conjuga-se arrastado e profundo

são bichos compostos: peixinhos comensais buracos nas barreiras de fitoplâncton crustáceos sedentários limpadores de carapaça de fato brotam das baleias esses fenômenos, como prédios ou como mato – à revelia

não havia animais na terra no tempo das derivas gramaticais quando a américa era ainda um trecho do mar total

mas as coisas mudaram muito e hoje baleias flutuam em plena seca, lentamente fugindo das cintas de asfalto o rabo solto nos pedágios, as cracas agarradas ao queixo enorme onde bate o vento morno do dia com seus insetos nutritivos e bem-te-vis em simbiose

engoliam os abacates e carregavam no trato digestivo as enormes sementes para depositá-las no campo mergulhadas em caca – os abacates, então, brotavam no tempo

pergunte a um abacatinho de mercado, desses selecionados olá, querido, saberia me dizer pra que serve o caroção e ouvirá do progresso, do mistério, do amor: nenhuma palavra sobre cocôs ancestrais