Mês da Biblioteconomia Negra

Em novembro, mês em que ocorre o Dia da Consciência Negra, o Grupo de Trabalho Relações Étnico-Raciais e Decolonialidades (GT-RERAD) está realizando ações para celebrar a Biblioteconomia e as pessoas bibliotecárias negras.

Como bibliotecária negra, graduada em uma universidade pública do Nordeste e que só teve dois professores negros durante sua formação, qualquer ação positiva para divulgar e celebrar esses profissionais me alegra.

Quase toda minha graduação, eu me dediquei à pesquisa. E, nesse sentido, eu sempre quis escrever sobre temáticas étnico-raciais relacionando-as com as questões de informação, seja criticando os instrumentos de organização do conhecimento, seja discutindo mediação da informação de/para a população negra, ou até mesmo identificando o que é produzido sobre o tema pela comunidade científica. Escrevi dois projetos de mestrado sobre, um deles aprovado, mas não levei nenhum adiante. Surgiu um medo de que eu fosse a bibliotecária/pesquisadora negra que só fala de questões negras e não produz “ciência de verdade”.

Em 1996, Lorna Petterson, uma bibliotecária estadunidense, já apontava que os estudos sobre questões raciais na Biblioteconomia não eram levados a sério. Como se tudo que fosse produzido sobre o tema derivasse apenas da experiência pessoal e não tivesse rigor científico (PETERSON, 1996). Entre 2017 e 2019, eu ainda tinha essa preocupação.

Na disciplina Métricas da Informação e do Conhecimento na Web, que cursei no primeiro semestre do mestrado com um dos professores negros que tive na graduação, tive mais uma oportunidade para fazer um trabalho e eu queria que fosse sobre as relações étnico-raciais na ciência. Dessa vez, eu fiz. Era “só” para uma disciplina, não teria problema. Fui aprovada e, depois da disciplina, o trabalho foi pra gaveta.

O GT-RERAD surgiu num momento importante para mim. Ver um grupo de trabalho criado para focar exatamente naquilo que eu tinha medo de desenvolver, enquanto profissional, me deu esperanças. Quando abriu a chamada para trabalhos do 7° Encontro Brasileiro de Bibliometria e Cientometria, decidi resgatar o trabalho da disciplina, fazer algumas correções e submeter para avaliação.

Que surpresa quando o trabalho foi aprovado. Apresentei no evento, na trilha sobre Webometria e Altmetria, e os ouvintes tinham perguntas direcionadas para mim, eu que nunca recebia perguntas em eventos. O artigo foi, então, convidado para ser estendido para um capítulo de livro. Tinha valor naquilo que eu escrevi, pesquisei, desenvolvi. Eu nunca duvidei, mas tinha medo que as outras pessoas duvidassem. Quanta coisa eu deixei pra trás por medo de ser incompreendida e de ter meu valor profissional reduzido...

Voltando ao Mês da Biblioteconomia Negra, o GT-RERAD está divulgando sob a hashtag #BiblioteconomiaNegra no Twitter e no Instagram, profissionais negros da área. Eu até apareci lá! É muito bom ver esse tipo de ação, ver outros profissionais com as minhas características. É melhor ainda ver que eles desenvolvem trabalhos nas mais diversas áreas e que nós podemos ocupar tantos espaços: bibliotecários, pesquisadores, professores, gestores, poetas e muito mais.

Que nesse mês a gente possa refletir sobre a nossa área e sobre as nossas práticas, pensando as relações étnico-raciais e a decolonialidade.

PETERSON, L. Alternative perspectives in library and information science: issues of race. Journal of Education for Library and Information Science, v. 37, n. 2, p. 163-174, 1996. DOI https://doi.org/10.2307/40324271. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/40324271. Acesso em: 04 ago. 2020.

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