Line ليني

Estudante de letras escrevendo um pouco sobre tudo. Ah, e apaixonada por rosa. telegram: @alinesmota

você é lenha fogo carvão vento até graveto mantém meu fogo aceso e desafia as leis da física mesmo com seu corpo molhado em mim não me apaga mais me molha e me queima por dentro

(Mar, 2023)

Não fui à feira com você.

Pelo contrário, fui à feira com você. Simples momento de acalento, pensando em alimento que nem precisa ser comida. Alimentei-me do cheiro dos temperos, das cores das frutas e do verde das escarolas e chicórias que vi pelas bancadas. Provei uma fruta nova. Diferente. E dela deixei a semente seguir pela minha garganta para que semeie em mim todo seu doce sabor. —

Sinto a mistura de todos os cheiros, cores e sons com seus olhares, falas e toques. A companhia simples, mas que deixa tudo mais gostoso. Como um limão, em um caldo de cana, melhorando o que já era de bom gosto.

(Abr, 2023)

precisei fugir do nosso mundo pra recriar o meu com miséria de medo e fartura de afeto —

ando dando não pra miséria quero minha dispensa cheia de amor, cuidado e carinho corpo preto forte demais pra ser cuidado escuro demais pra ser amado mulher preta que só serve pra servir ou tapar algum buraco que não fui eu que abri

(Jun, 2022)

Blackout Quem gosta de ficar no escuro? Há luz pra todo mundo?

Ambientes muito claros me trazem insegurança Tenho fotofobia E quando escureço minha vida Encontro conforto Porque meus olhos não choram

Blackout. Quem gosta de se sentir inseguro? Prefiro estar com os meus No breu A estar sozinha Em um local translúcido.

(Jun, 2020)

gostar de barulho de chuva pra dormir... tá aí um privilégio que nunca tive! quando via as gotas caindo já sentia meu desespero vindo seria mais uma noite acordada atenta aos barulhos da madrugada com cochilos e sustos e pesadelos onde eu morria soterrada via o desespero de mamãe olhando as árvores balançando mandando eu parar de chorar às vezes também aos prantos dizendo que a chuva já ia passar ou cantando pra disfarçar o barulho do barranco que caía atrás de algum cômodo

no fim da chuva torrencial mamãe tentava ser otimista com uma sensação de alívio e alegria dizia “deu pra guardar bastante água graças a Jeová. fazia tempo que não chovia”

gostar de barulho de chuva pra dormir... tá aí um privilégio que nunca tive! quando via as gotas caindo já sentia meu desespero vindo seria mais uma noite acordada atenta aos barulhos da madrugada com cochilos e sustos e pesadelos onde eu morria soterrada via o desespero de mamãe olhando as árvores balançando mandando eu parar de chorar às vezes também aos prantos dizendo que a chuva já ia passar ou cantando pra disfarçar o barulho do barranco que caía atrás de algum cômodo

no fim da chuva torrencial mamãe tentava ser otimista com uma sensação de alívio e alegria dizia “deu pra guardar bastante água graças a Jeová. fazia tempo que não chovia”

tu me chama pra dá um dois faço questão de bolar quatro nós faz um corre e até meio dia fuma um quarto divido uma seda com duas piteira pra dois bem bolado acendo os dois um de cada lado e fazendo fofoca nós fuma um, dobrado

tem gente que me tira dos eixos e eu nem sou um caminhão é a insegurança da ultrapassagem em que tu não sabe se pode ir ou não

minha prova do detran nunca fiz mas sinto que reprovaria de primeira

és a quinta marcha mas só dirigi automáticos

a baliza que me fez bater no poste de tanto nervosismo

Uma crespa em desespero

Desde muito jovem, meus cabelos foram uma questão. Minha mãe tem cabelo liso – levemente ondulado, segundo ela –, e sempre reclamava de ter que arrumar o meu. “Você puxou o cabelo duro da família do seu pai” e por volta dos 11 anos passei pelo maldito processo que praticamente toda mulher de cabelo crespo já passou: o famoso alisamento. Não sei se alisamento é realmente um bom termo, porque o cabelo fica de um jeito que nem sei descrever, mas não é alisado com certeza. Eu chamava de relaxamento, o que faz muito mais sentido pra mim hoje. Mamãe me acordava duas horas antes do horário previsto para nossa saída para lavar, pentear e fazer as simples e demoradas tranças baianas, para não parecer que meu cabelo cresce pro alto; para não mostrar que ele é crespo. Na escola, andava com cabelo amarrado e mamãe dizia que era para prevenir a manifestação de piolhos. E um dia, aquelas pessoas que fotografavam crianças com adereços e acessórios fofos apareceram onde eu estudava, e mamãe pagou para eu ser fotografada. Fui de trança, com o cabelo grande e penteado (diria até que aparentava ser evangélica, mas não sei até que ponto isso pode ser pejorativo), mas uma das funcionárias não se contentou com minha trança e teve a ideia de soltar meu cabelo para pentear. Pentear meu cabelo, crespo, à seco. Isso aconteceu; e sim, ela era branca. Lembro muito bem dela percebendo que tinha feito besteira quando penteou a primeira mecha. Ela chegou a pedir ajuda a outro funcionário, porque não sabia como lidar com meu cabelo. Não julgarei, por muito tempo nem eu soube. Voltei pra sala com tristeza, com medo de ouvir alguma “gracinha” (leia: racismo) de algum colega. Quando cheguei em casa, a frase que mamãe exclamou foi “QUE CABELO É ESSE?!” e expliquei toda a situação desesperadora. Minha mãe deve ter ficado chateada, pois já tinha me arrumado, mas a fotógrafa achou que não. A foto está em sua estante até hoje. Odiei a foto por muito tempo, por achar que meu cabelo estava extremamente horrível e com aspecto de “cabelo ruim”. Hoje, olho pra essa fotografia e vejo uma menina, sem dente, com cabelo natural e olhinhos brilhantes de criança. E queria dizer para a pequena Aline daquele dia que seu cabelo era lindo. E mais, que sua beleza transparecia de qualquer jeito.

(Aline Mota, 2019)

história de verão

ao mesmo tempo que você me acalma você me desperta pensamentos acelerados que nem um texto sem pontuação pode explicar direito o que sinto na verdade nem eu sei mas sei que gosto de estar com voce e a sua companhia me deixa feliz e tenho medo de ser exagerada e medo de invadir o teu espaço medo de perder sua amizade mas tenho medo também de não te beijar e não te fazer um carinho porque quando você está perto de mim minhas mãos coçam para serem passadas por tua pele bonita da cor da minha e pelo teu cabelo crespo como o meu e com você eu me sinto bem e com um frio na barriga desculpa quando digo que você me intimida eu acho que você é tão única que nem consigo lidar e por isso fico tensa pausa para respirar pensando nas coisas inteligentes que você fala e eu tendo disfarçar o brilho dos meus olhos quando tô aprendendo com você e parece que eu to aprendendo o tempo todo e todos os boa noites que eu queria te dar ao menos um abraço eu não dei porque meu corpo estremece e me vem a vontade de te dar um beijo............ pontuei e se fiz isso foi porque pensei demais e talvez por pensar demais que eu ainda não te tive da forma que quero